Terreiro do Paço

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Declaração de Amor

Gosto de ti, gosto tanto de ti, sempre gostei de ti mesmo durante aquela longa noite me impediram de falar contigo e me obrigaram a calar impedindo de dizer o que te queria dizer nunca deixei de gostar de ti, sempre quis que tu e eu tivessemos um caminho uno, um caminho em que as nossas mão se apertavam sofreguemamente na esperança/desejo de termos um futuro comum, mesmo quando alguns amigos que também te amavam te abandonaram, sobretudo para França e Holanda, nunca me afastei de ti apesar de dizerem que contigo nunca teria qualquer chance eu era teimoso, resiliente e queria-te, queria-te apesar de tudo e de todos, admirava em ti a coragem de te reergueres e nunca deixares de acreditar que haveria amanhã, como sabes sempre caminhei contigo e como também sabes tantas e tantas e tantas tive que me esconder para nunca te perder de vista, gostava do Sol que tinhas e eras, gostavas do teu cheiro de maresia e flores campestres, gostava de percorrer lentamente com as minhas mãos e sentir o teu pulsar que em lugares restritos conseguias ter e era nessas alturas que estávamos realmente juntos, sim esta é umas declaração de amor para contigo eu que sou tão avesso a essas coisa venho aqui dizer que te amo, não esqueço aquele periodo de tempo em que caminhámos realmente de mãos dadas e conseguimos fazer tantas coisa bonitas que outros apontavam como exemplo a seguir, nessa altura tinhamos sempre um sorriso nos lábios e soltámos as canções que sempre cantáramos às escondidas mas que nesse lapso de tempo soltámos a plenos pulmões.
Lembro de as minhas mãos percorrerem cada pedaço de ti num sentido de partilha, lembro de soltarmos os cabelos ao vento fazendo da vida um imenso Woodstock, recordo de juntos cantarmos o Adriano, o Zeca e tantos, tantos outros, iamos montes de vezes ao S. Luis e Coliseu partilharmos cantos livres, éramos felizes e pensávamos que a felicidade era eterna, mesmo os precalços que por vezes aconteceram conseguimos ultrapassá-los juntos, quando os filhos de outras mães te tentavam conquistar descobriamo-los e juntos faziamos-lhe peito e empurrávomo-los daqui para fora, era o tempo em que não havia sombras escondidas nem medos disfarçados, as nossas mãos juntas plantaram flores de esperança por todo e qualquer sitio que era nosso, foi o tempo em que corremos de vez com o cinzento das nossas vidas, gostávamos de ouvir os sons da Lisnave e da enchada na terra que camponeses trabalhavam, sentávamo-nos ao fim do dia na praia e viamos os barcos chegarem com peixe que descarregavam nas lotas ao som das vozes dos pescadores que nos ensinavam novas canções, canções de esperança e vida, viviamos uma vida plena de vida e e liberdade feitas, era o tempo dos cravos, o tempo de fazer, o tempo de criar e recriar, corremos com os mauzões todos que nos impediam de ser felizes e aqueles com que não corremos fugiram, tinham medo da nossa liberdade e éramos apenas crianças, o nosso caminho até hoje não teve nada de fácil houve tantas e tantas vezes que nos armadilharam o caminho mas sempre conseguimos ultrapassar esses obstáculos e continuar de mãos dadas, agora hoje que já sou velho e te tentam matar retalhando-te e vendendo-te a gente que nada tem a ver connosco sinto de novo o frio do medo a percorrer-me a espinha, os mauzões voltaram naquele fatidico Junho de 2011 e está a ser tão dificil para mim e para ti caminharmos a estrada que nos querem impôr mas sabes apesar de ser dificil acho que tu e eu, agora que provámos o doce mel de sermos livres, vamos conseguir ultrapassar mais este duro osso que nos calhou em sorte apesar de já terem vendido quase tudo o que era teu, que era nosso, mas vamos juntar-nos todos aqueles que te amaram, que te amam, para que juntos os corramos daqui a pontapé e mesmo sabendo que os coelhos correm muito haveremos de apanhá-los um a um dar-lhes aquele valente pontapé no cu e tu Portugal e todos nós que te amamos voltaremos a sorrir Abril. 

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Para o Boby

O Boby é um rafeiro que conheço há muito muito tempo, fizemos um interregno nas nossas faladuras durante alguns anos em que andou com o , não sei se é amigo se dono, Velho a dar voltas pelo mundo com raptos à mistura mas de há algum tempo para cá que nos reencontrámos e temos trocado falas e latidos quer seja por telefone quer seja via net, sim porque o Boby é um rafeiro todo modernaço que obrigou o Velho a ensinar-lhe estas novas formas de comunicação mas para além disto o sacana do rafeiro tem outra característica, sabe ler e é exactamente por saber ler que hoje vos venho aqui falar dele, ah estava a esquecer-me o Boby é portador de um nome sonante “de la Fontaine”, podia ser Boby Esopo mas não como tem a mania que é aristocrata insiste em ser de la Fontaine, é que o gajo costuma ler uns textinhos que por vezes planto no jardim do facebook onde ele vai com o Velho dar umas mijinhas e aproveita para dar umas vistas de olhos nos referidos textinhos, bem nesta altura quase de certeza que se interrogam mas porque é que este gajo vem para aqui falar do Boby que não conheço de lado nenhum em vez de estar a falar de coisas interessantes como o gasparzinho, o tretas ou mesmo o génio dos pastéis de Belem? Pois bem conto-vos já de seguida o Boby ontem leu um textinho meu em que dizia que estava farto deste país da treta que não é para novos nem para velhos e o cabrão teve o desplante de dizer que gostava mais dos meus escritos pornográfikus, assim mesmo pornográfikus, o que me deixa um bocado confuso já que em tempos me confessou latindo-me baixinho ao ouvido que as partes moles do gajo já não se endireitavam nem mesmo à vista de uma bela lulu da Pomerânea e perante isto só posso concluir que o gajo sofre de priamismo das orelhas ou dos olhos senão para que quereria ele textos pornográficos ou pornográfikus?
Bem como assim de repente não me vem nada à memória vou-lhe contar uma historinha de encantar, e é assim:
Num reino distante havia um rei que há muito desesperava por ter uma filha, dizia-se que a mulher, a rainha, era estéril ou histérica não sei bem como se diz e um dia o rei farto de brincar ao mete e tira com a rainha sem que daí adviesse princeso ou princesa decidiu convocar os magos magas da corte para encontrar uma solução para o problema, ao fim de três dias de convénio e sem que se tivesse chegado a conclusão nenhuma o pajem, nestas histórias há sempre um pajem, chegou-se ao ouvido do rei e disse-lhe “sua majestade já vimos que estes gajos e estas gajas são todos uns charlatães do camandro mas eu conheço uma camponesa muito jeitosa que ainda é virgem sua majestade podia ir quecando com ela e algum dia a tipa há-de engravidar” “não tá nada mal pensado nan senhor mas depois como é que vou apresentar a minha descendente ao povo se eles não viram nunca a rainha grávida?” “não se preocupe sua senhoria que sou intimo do Spilberg e o gajo arranja prái uns efeitos especiais quinté dá a impressão que a rainha tá grávida” “está bem trata lá disso que se resultar os maravedis que gasto em putas são todos para ti” e assim foi o pajem telefonou ao Spilberg e à camponesa que embora a contragosto, o Spilberg, lá se dispuseram a alinhar na maravilhosa técnica do engravidanço da rainha com quecas na camponesa, se fosse hoje dir-se-ia que a camponesa era uma barriga de aluguer mas naqueles tempos não, era apenas uma concubina do rei embora por uma nobre causa.
O rei tomou banho vestiu uma daquelas paneleirices de rei, foi para a cama de dossel e esperou que lhe trouxessem a camponesa a quem estavam a dar banho, perfumar e despiolhar que quem vai para a cama com o rei tem que ir minimamente apresentável, neste entretanto o rei ia fazendo umas festas no marzápio para o tornar rijo e duro que naqueles tempos ainda não tinham inventado nem o Viagra nem o Cialis e rei que se preze tem que estar sempre pronto a desembainhar a espada, estava o rei nestes preparos quando lhe trouxeram a donzela, bem a gaja era linda era assim que a modos de uma Jennifer Anniston com as mamas da Courtney Cox, os olhos do rei arregalaram-se, parou de esfregar o malho e zuca que se faz tarde amandou-se logo à camponesa, ela ainda lhe implorou para não ser bruto “ai quisto dói tanto” mas o rei não estava cá para suplicas foi pela frente por trás nas mamas na boca o gajo estava mesmo perdidinho e este banquete foi-se repetindo diariamente enquanto a rainha estéril ia dando umas com o regente mor da corte até que um dia a camponesa que nesta altura já tinha porte de princesa disse ao rei “saiba vossa majestade que temos que parar com a brincadeira que já estou grávida” o rei esfusiante mandou anunciar por todo o reino que a rainha estava de esperanças, o Spilberg desabafou “até que enfim que tenho alguma coisa para fazer” e lá se encarregou de diariamente ir acrescentando uns milímetros à barriga da rainha que mesmo assim não parava de dar umas voltinhas com o regente.
Demos um salto no tempo e façamos de conta que passaram nove meses, nasceu uma linda menina loura de olhos azuis, o rei estava exultante com o acontecimento e decretou três dias de festa rija por todo o reino da Fantasilandia, com comida e bebida à fartasana animada com musica dos Rolling Stones e Quim Barreiros, convidou toda a nobreza universal, reis, rainhas, pincesos, princesas e todos compareceram à excepção do Gaspar o que muito aborreceu o rei que chamou à sua presença o Belchior e o Baltazar para saber o porquê da ausência “saiba vossa majestade que ele ficou na Tugolândia a fazer modelos para saber como é que há-de sacar mais algum aos tugas”, o rei aceitou a explicação como boa e deu continuidade à festa, o reino estava todo iluminado como a feira popular antes de ser “comprada” pela bragaparques, eram vacas porcos e cabritos em gigantescos espetos, malta deitada debaixo dos tonéis a emborcar como se não houvesse amanhã, era a folia e a loucura total, a camponesa foi nomeada marquesa das barrigas de freira e o pajem promovido a administrador de uma PPP, o Spilberg condecorado com a ordem dos faz de conta. Depois de passados estes três dias o povo recolheu a suas casas para curar a ressaca, o rei começou a planear o baptizado, comprou um cinto de castidade para a filha que só seria tirado quando ela atingisse a maioridade e o tempo passou com toda a gente feliz menos a pobre da princesa que sempre que necessitava de uma mijinha tinha que pedir ao “Constatino Guardador de Vacas e de Sonhos” que lhe emprestasse a chave e assim tudo foi correndo até que um dia, pelos anos ofereceram uma pastilha elástica Gorila à princesa, esta que era apaixonada por filmes de espionagem aproveitou a pastilha para com ela fazer um molde da chave, com o molde na mão dirigiu-se ao ferreiro onde lhe pediu para este fazer uma cópia das chaves da casa das bonecas, disse ela, o ferreiro disse que sim mas custava que lhe custava três maravedis, ora todos sabemos que a malta da nobreza não anda com dinheiro na carteira a princesa ficou aflita e perguntou se não podia pagar de outra forma, “a menina gosta de gelados?” “gosto gosto” “pois olhe eu aqui no meio das pernas tenho uma coisa que se chupa comó os gelados se a menina quiser chupa-mo e eu faço-lhe a chave de borla”, a princesa como era louca por gelados nem exitou disse logo que sim mas o serralheiro que era homem de muitas vidas disse-lhe logo “olhe menina quando sair o creme não deixe que escorra nada para o vestido, engula que foi assim que o Clinton se lixou” “tá bem tá bem” a princesa lá chupou o gelado do serralheiro, este fez-lhe a chave e a menina estava tão contente que quando saiu da loja do ferreiro só cantava a canção dos 1111 “andam falos pelos bosques”, entretanto o tempo foi passando e um dia apareceu no palácio uma bruxa má que iludindo a vigilancia da cia mossad e mi6 conseguiu chegar à fala com a princesa “ai que menina tão bonita e saiba que vim de longe mesmo ali de pé de buarcos para lhe dar esta linda maçã e se a menina gostar podemos fazer um franchising”, a princesa como era boa pessoa deu logo uma trinca na maçã e então oh deuses de todos os céus caíu redonda no chão como se ativesse sido atingida por um raio do capitão marvel, “ah ah ah agora só acordas se fores beijada por um principe” e a cantar e a bailar a bruxa montou na sua vassoura ultimo modelo com jantes de alumínio e partiu em direcção ao Sol poente.
O rei quando teve conhecimento do nefasto acontecimento rodeou-se de todos os magos e alquimistas da corte na busca de uma solução, todos se debruçaram sobre a princesa adormecida, experimentaram mezinhas e feitiços, nada resultava a princesa estava mesmo em estado de letargia total, o veneno era muito poderoso e só a bruxa má ou um principe que a beijasse  a poderiam fazer voltar à vida.
O rei desolado mandou construir uma cabana na floresta onde seria guardada por guardas do vaticano com ordens solenes para só deixarem entrar algum principe que se tivesse perdido ou a bruxa rigorosamente vigiada, e assim foi, construíram-lhe uma cabana e no meio da cabana uma cama atapetada de flores vindas directamente da Madeira e da Holanda, o jardim ainda se mascarou de principe para dar ar às peles mas os guardas toparam-lhe logo o esquema e o pobre lá teve que apanhar um voo da Ryanair para a Madeira. O tempo foi passando até que um belo dia montando um lindo cavalo branco apareceu um formoso principe ricamente vestido com as mais belas sedas e veludos, o cabelo refulgindo por baixo da toca, a espada suavemente embainhada e cravejada de diamantes, uma capa de brocado vermelho enfim um principe mesmo à maneira, o principe aproximou-se da cabana e com a sua melíflua voz de principe perguntou “o que se passa aqui” “quem és tu?” perguntaram os guardas “sou o principe do reino da pinocada mas podem tratar-me por principe pinocante” “saiba vossa alteza principe pinocante que lá dentro está uma bela princesa que foi enfeitiçada e só acorda com o beijo de um principe” “ora bem eu sou principe posso tentar mas que ganho eu com isso?” “saiba vossa alteza principe pinocante que o rei concede a mão da princesa a quem a fizer despertar” “só a mão? Farto de pivias estou eu” “a mão é uma forma de dizer, oferece-a em casamento e quem a desposar por morte do rei torna-se rei” “ah assim já vale a pena deixo de ser o principe pinocante errante e passo a ser o rei pinocante com cama mesa e roupa lavada, vamos lá então tratar do assunto mas exijo privacidade” “esteja sua senhoria à vontade”, o principe desmontou, abanou os cabelos como no anuncio da Sunsilk e entrou “porra que a gaja é linda e boa”, aproximou-se da cama de flores, afastou-lhe os cabelos de oiro, debruçou-se para a beijar e “ai caraças que tenho herpes labial, como é que vou resolver isto?”, deu umas voltas à cama e uma brilhante ideia ribombou-lhe na cabeça “a cenoura, a cenoura”, colocou a mão no bolso dos calções de cetim e sacou do bolso uma bela cenoura das hortas de Loures, aproximou-a dos lábios da princesa, deslizou-a suavemente e nada até que de repente a princesa abre os olhos sente o fálico material na boca, agarra-o com as duas mãos e toca de chupar, lamber, esfregá-lo na cara e “porra então este sorvete não tem creme?” “oh minha bela não te preocupes que pedi privacidade aos guardas e eu dou-te o que tenho aqui entre as pernas” “prometes?” “prometo e meto” e assim foi o principe baixou os calções a princesa lambuzou-se no malho e depois de engolido o cremezinho todo voltou-se para o principe “oh principe apetece-me algo mais” o principe que como já sabemos era pinocante não foi de modas, deitou-a de bruços na cama levantou-lhe as saias e “ oh foda-se tens cuecas de lata” “não te rales que tenho aqui a chave” o principe abriu a fechadura o cinto de castidade caiu com estrondo no chão “brum” e aqui me sirvo, foi canzana, missionário, posições que não sei o nome até que exaustos se deitaram na cama, os guardas estranhando a demora bateram na cortina de pano “então ela acordou?” “acordou mas agora deixem-nos descançar”, os guardas baixaram as armas, sentaram-se cá fora, partilharam um charro “foda-se inda bem ca gaja acordou já estava farto de estar aqui” “também eu e tenho saudades daqueles cuzinhos do Vaticano” “nem me fales nisso que ainda esgalho uma”, passados um bom bocado a princesa e o principe pinocante saíram de mãos dadas e deram ordens aos guardas para irem para o palácio, o principe e a princesa montaram nos cavalos os guardas nos burros e lá foram. Quando chegaram ao palácio o rei esperava-os com a banda da Carris em grande fanfarra, o povo em alarido e logo ali se celebrou o enlace presidido pelo cardeal patriarca D. Fuas da Pouca Roupa, o povo estava em festa, o rei estava em festa, a princesa deflorada estava em festa, o principe emborcava e tentava comer as aias que aiavam à frente dele e o tempo foi decorrendo devagar até aos dias de hoje e hoje quem passar por Fantasilândia só ouve na voz do vento que sopra do castelo o murmurio lamentoso do principe “cabrão do velho que nunca mai

Estou Farto

Estou farto deste país e das suas gentes que tudo come e tudo cala, estou farto deste país de compadres e amigalhaços em negócios que pudor é palavra de dicionário, estou farto das PPPs e das fundações que nos levam o dinheiro todo mas já não são gorduras do estado, estou farto destes desgovernantes que nos apertam o cinto até não ter mais buracos porque é “inevitável”, estou farto deste país que deixa as suas crianças irem para a escola de estomago vazio, estou farto dos relvas que se doutoram num ano e teem equivalências a disciplinas que nem sequer existiam, estou farto dos economistas que diariamente aparecem na televisão a dizer que vivemos acima das nossas possibilidades, estou farto das jonets que me dizem que não podemos comer bifes todos dias e que trocamos uma radiografia por um concerto de rock, estou farto de passar os meses a contar os dias que faltam para que o novo vencimento caia na minha conta bancária, estou farto destes banqueiros que quando falam de mais austeridade dizem “ai aguenta aguenta”, estou farto deste país que que foi pago para acabar com a agricultura pescas e industria, estou farto que venham cá uns tipos quaisqueres estrangeiros dizer como devemos governar a nossa casa, estou farto dos coelhos que se desfazem em vénias e mesuras às merkells deste mundo, estou farto que digam que somos bons alunos quando copiamos receitas que nos encaminham para o colapso total, estou farto de gaspares com os seus modelos que só são infalíveis no falhanço, estou farto de ter como representante máximo deste país um individuo que tudo indica ser um ex pide, estou farto de viver na expectativa não ter amanhã, estou farto deste país em que as pessoas entregam as casas aos bancos e mesmo assim ainda lhes ficam a dever dinheiro, estou farto dos indivíduos de fatos azuis ou cinzentos que dizem aos nossos filhos para procurarem trabalho no estrangeiro porque por cá não há, estou farto de ver pessoas que dormem em vãos de escada porque por todos foram abandonados, estou farto deste país em que aqueles que juraram defender a Constituição fazem dela um mero objecto de violação, estou farto de ter como primeiro ministro um ex toxidopendente que batia na mulher, estou farto de ver os jovens abandonarem as universidades porque os pais caíram no desemprego, estou farto de ir à farmácia e ver pessoas deixarem lá metade dos medicamentos porque teem que optar entre a saúde e a comida, estou farto de ficar sem subsídios porque o BPN levou o dinheiro que dava para os pagar durante cinco anos, estou farto dos dias loureiro que entraram para o governo com quarenta contos e agora teem fortunas de milhões em off shores, estou farto de ver pessoas à porta dos supermercados depois deles fecharem para irem catar no lixo os alimentos já fora do prazo de validade, estou farto de ver policias bater a torto e a direito em qualquer pessoa porque meia dúzia de putos lhes atiraram pedras, estou farto dos varas e dos godinhos que trocam sucata por “caixas de robalos”, estou farto farto das esteves que se reformam aos 42 anos e se tornam presidentes da Assembleia da República, estou farto que me digam que devemos poupar enquanto eles com o nosso dinheiro se deslocam em bombas de milhares de euros, estou farto dos álvaros que querem fazer franchisings dos pastéis de Belém para tirar o país da  penúria, estou farto de ler nos jornais que mais um velho foi encontrado morto passados não sei quantos anos e ninguém sentiu a sua falta, estou farto dos cratos que colocam milhares de professores no desemprego e querem ressuscitar o tipo de ensino fascista, estou farto das pessoas que na rua de mão estendida imploram por uma moeda para poderem comer uma sopa, estou farto de ver pessoas apanhadas nos transportes públicos porque não tinham dinheiro para comprar o bilhete, estou farto dos macedos que transformam a saúde num bem só para ricos, estou farto que as finanças me digam que devo pedir factura até por uma bica, estou farto do portas e das submarinicas negociatas mas não é nada com ele, estou farto duma justiça que condena a cinco anos de prisão efectiva alguém que roubou um shampoo e um polvo congelado e coloca em prisão domiciliária o duarte lima que burlou este país em milhões de euros, estou farto farto farto farto desta treta deste país de figurinhas, figurões e figurantes.



O Bexigas e a Mimi

O Zé Bexigas, chamavam-lhe assim porque quando era miúdo tinha apanhado bexigas doidas que o deixaram marcado para o resto da vida, tava mesmo todo lixado, encostado ao balcão da tasca do Quim Bóinas enquanto emborcava uns valentes copos de três e cuspia as cascas de pevides murmurava “puta de vida só a mim” “puta de vida só a mim” e quem tentava entabular conversa era prontamente afastado pelo Bexigas como quem enxota um cão sarnoso.
“Puta de vida só a mim mas mesmo só a mim” e lá cuspia mais umas cascas de pevides enquanto batia violentamente com os punhos cerrados no balcão encardido de anos de copos de vinho e bagaço, mas que tinha acontecido afinal ao Zé Bexigas para estar assim tão ensimesmado e acabrunhado? bem não sei se vos conte ou se dê vós ao Zé e seja ele a contar-lhes, esperem aí só um nadinha que vou perguntar-lhe, “Zé és capaz de dizer a estes senhores porque é que estás assim?” “pá já não disse pra não me chatearem?” “já, já disseste Zé mas estes senhores estão preocupados de te ver assim” “mas preocupados porquê? Conhecem-me dalgum lado?” “não, Zé não te conhecem mas há pessoas que se preocupam com os outros ou são simplesmente coscuvilheiros custa-te assim tanto contar?” “são coisas cá da minha vida” “vá lá Zé desabafa ca gente que ficas melhor”, o Zé limpou as beiças ao casaco roçado virou-se pra nós tirou um cigarro do bolso do colete, acendeu-o, deu duas baforadas, encostou os cotovelos no balcão e “mas então qé que vocemesseses querem saber? Ãh?” “Não te zangues conta-nos lá porque estás assim” “tá bem eu conto, foi outra vez a Mimi que me pôs os cornos” “pá mas tu também já estás habituado sabes bem que volta não volta lhe dá uma venheta e dá corda aos sapatos” “tá bem mas desta vez é diferente, óviste?, pôs-me os cornos, não fugiu para casa da mãe, pôs-me os cornos” “com quem?” “com o Tó Lambretas da oficina” “então mas isso foi assim sem mais nem menos?” “não sei meu, a gaja já andava estranha há uns dias, nem com porrada eu conseguia quela me fizesse alguma coisa e havia dias que chegava a casa e a gaja ainda não tava e bem sabes que ela sai primeiro do cabeleiro que eu das obras” “o que acho estranho é não desconfiares de nada” “eu desconfiar desconfiava mas nunca me passou pela cabeça, como ela anda maluca com a “casa dos segredos” julguei que ficasse no parlapié com as outras cabeleireiras a falar daqueles cromos” “tá bem Zé mas um gajo pressente essas coisas” “pressente? Pressente como? Começam a nascer-lhe cornos é?” “deixa-te de merdas se não andasses sempre bêbado e não passasses a vida a chegar-lhe a roupa ao pelo se calhar nada disso acontecia” “quê mas se calhar agora um gajo não pode dár nos cornos da mulher? Se é MINHA mulher faço com ela o que bem quero queu cá não sou desses paneleiros todos modernos caté limpam a casa e tudo” “vá lá não te armes em machão que eu sei bem o teu passado” “mas praqué co meu passado é práqui chamado ãh ãh?” vendo que o Bexigas começava a levantar o pelo decidi acalmá-lo não fosse ele dar-me alguma bolachada que virava logo o boneco “acalma-te Bexiga sabes que sou teu amigo qué que bebes?” “pode ser um penalty tinto” “oh Bóinas trás aí um penalty pró Bexigas e uma Sagres pra mim” o Bóinas solicito aviou logo o pedido, o Bexigas pôs o copo na boca e bebeu-o quase todo de só uma vez “mas olha lá ó Bexigas já tentaste falar com ela?” “eu? Eu? O Bexigas rebaixar-se ao pé daquela puta, nem penses nisso” “pá eu sempre ouvi dizer “que a falar é que as pessoas se entendem”” “tás mas é maluco dos cornos, seu visse a gaja partia-lhe a fronha toda e depois dava-lhe cabo do corta feno e depois ia de rastos pra casa lavar a loiça limpar a casa e levava mas era outro enxerto” “não sejas assim, é por essas e por outras que a gaja está sempre a deixar-te com as calças na mão” “tu vais ver é ela e o Lambretas se os apanho………”, o cigarro já se lhe tinha apagado entre os dedos, não era o “pensativo cigarro” do Eça era o cigarro apagado do entorpecido Bexigas que se voltou de costas pra mim , arrotou e “quero é quela se foda”. Não lhe disse nem perguntei mais nada, sou daquele tipo de tipos que respeita o sofrimento alheio, dei-lhe uma palmada nos ombros e “até amanhã Bexigas vê se comes” “tá bem tá bem”, virei-me disse boa noite aos presentes e quando me preparava para sair quem é que vejo na porta da taberna? A Mimi, a Mimi vinha a entrar na tasca, cabelo arranjado, lábios pintados, rimel nos olhos enfim uma autentica Barbie, primeiro baixinho “zé” e o Zé nada, “Zé” o Zé voltou-se deparou-se com a Mimi recortada na ombreira da porta e toda a sua cara se abriu num tremendo sorriso “perdoas-me Zé?” o Zé não disse nada só sorria “perdoas-me Zé?” “oh minha querida Mimi por onde é candaste pra me deixares assim a sofrer” o Zé nem acabou o copo correu para a Mimi pegou nela como se não tivesse peso e beijou-a sofregamente na boca “sabes a vinho” “quéquequeres que faça, sabes que sem ti sou um homem desgraçado” “Bóinas Bóinas dá aqui já um licor à Mimi”, o Bóinas lá foi buscar a garrafa de Marie Brizard, encheu um cálice das visitas e  a Mimi toda dengosa deitou a língua de fora ao Bexigas,  emborcou-o todo de uma só vez, o Bexigas agarrou-a pela cintura, trouxe-a até à porta decerto já a pensar na noite da reconciliação e chegado à porta solta a cintura da Mimi, volta-se para nós, enche o peito de ar e “então quem é que é o macho? Quem é que manda? Ãh, ãh”.
Ah ganda Bexigas que és o meu herói.

sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Mail por mim enviado ao primeiro ministro

Ex. Sr. Primeiro
Venho desta forma expressar-lhe a minha mais profunda gratidão pelos 16.01€ que amanhã vou receber como subsidio de Natal, quero também informar vª Exª que amanhã dia 9 de Novembro de 2012 me dirigirei a uma qualquer superficie comercial, excepção feita ao Pingo Doce onde apenas se pode pagar com cartão multibanco a partir de 20€, e gastarei toda esta incomensurável fortuna em tudo o que seja necessário e mesmo desnecessário para uma ótima ceia de Natal.
Deduzo que Vª Exª seja contra este vicio consumista que me assola mas que quer tenho o vicio da comida, pior do que o do tabaco, e apesar de já ter reduzido o nº de refeições diárias para duas mal medidas ainda não consegui atingir a perfeição de deixar de comer mas decerto que com a sua ajuda num futuro relativamente próximo lá chegarei.
Veio-me agora à memória Vª Exª durante a campanha eleitoral quando questionado por uma aluna de um estabelecimento de ensino deste definhante país sobre os cortes dos subsidios lhe ter respondido "disparate", claro que muitos portugueses não acreditaram e lhe começaram logo a chamar aldrabão, eu não faço parte desse lote porque sabia que era 1 de Abril e o sr. mais não fazia do que pregar uma mentirinha em alusão à data, pois bem sr 1º Ministro o sr que estava tão bem preparado e sabia tudo, mas mesmo tudo, sobre a situação económica do país vai agora impedir-me de comer lagosta, caviar Beluga e beber Moet et Chandom nas festividades que se aproximam? Claro que vai mas não é inocentemente que o faz, fá-lo no interesse nacional e de forma a cortar nas importações virando-nos assim para os bons e saudáveis produtos nacionais como os coiratos e torresmos que ataviarão a minha lauta ceia de Natal, por isto e tudo o resto eu e mais 10 milhões de portugueses, grosso modo, só lhe podemos estar gratos e já agora como sei que dia 12 vai estar com a srª Merkell se for possivel dê-lhe um xicoração bem apertado da minha parte.
Com os meus cumprimentos e que seja tudo "a bem da Nação" não sem antes lhe desejar as boas festas.
Sou
Fernando Monteiro

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

O dentista morreu. Coitado!

O dentista morreu. Coitado! Pôs-se em cima de um banquinho, não sei, não vi, não estava lá, mas vamos imaginar que foi assim, colocou a camisola de gola alta, subiu para o banquinho um salto para o lado e voilá, já está, todo esticadinho a perninha a dar a dar, deve ter ejaculado, pelo menos é o que me dizem de quem se enforca, e hoje de manhã o André perguntou-me “sabes quem morreu?” “não, quem foi?” “o dr. Saraiva, foi lá que puseste a cremalheira, não foi?” “foi”.
Isto podia ser uma grande tristeza, choros, ladaínhas, carpideiras mas não, não quero que seja assim portanto não vai ser assim, vai ser como eu queira que seja, “o dentista morreu. Coitado!” morreu, mas morreu porque quis, matou-se, enforcou-se, vestiu a camisola de gola alta, esticou o pernil, tudo palavras e frases diferentes que nos encaminham para um mesmo happy end, o “dentista morreu. Coitado!” Quando o André me disse isso lembrei-me que ainda há relativamente pouco tempo tinha estado a falar com ele a respeito das próteses que as queria substituir e tal, as actuais  já estão um bocado afanadas, e ele disse que sim e até podia fazer o pagamento faseado o que apesar de mau, fico com menos dinheiro por mês, era menos mau porque não tenho que o dispender todo de uma vez, mas pronto o “dentista morreu, coitado!”, e já não o vou poder fazer, cremalheira marada está cremalheira marada fica, mas seria desonesto se não vos dissesse o que pensei quando soube que “o dentista morreu, coitado!” e o que pensei foi: “se já tivesse substituído as placas ficava com elas quase de borla o gajo morreu” e agora digam-me lá se isto são pensamentos que se tenham quando se fala da morte de alguém? Óbvio que não mas tudo isto é resultado da minha mente distorcida, uma mente de há muito lisergicada ou talvez do que escrevi no inicio o não querer transformar isto numa elegia, antes dar-lhe um ar de vestidinho de verão com mojitos e caipirinhas à mistura, um sambinha de uma “nota só” como música de fundo que sempre é mais alegre e mexida que a marcha fúnebre e para fúnebres já nos bastam os gaspares e coelhos desta terra mas quem deve estar com um ar bestialmente fúnebre é a viúva, ela de negro vestida se for uma mulher à antiga até a imagino de mantilha negra sobre a cabeça “ai Saraiva Saraiva porque fizeste isso” a malta à volta com um ar condoído “os meus pêsames” e ela inconsolável a esgotat o stock de Kleenex, há sempre alguém mais aconchegante que lhe põe a mão no ombro “vá lá Dolores a vida continua”, eu não sei se se chama Dolores mas como Dolores deve vir do latim e significar dor achei por bem dar-lhe este nome, e ela fungando “ai Saraiva Saraiva” e agora para se tornar mais aliciante e dar uma volta nisto o Saraiva levantava-se do caixão “foda-se que nem depois de morto me deixas em paz ele é manicure, cabeleireiro, roupas de griffe sapatos Laboutain, deixa-me morrer descansado”, a malta toda a pirar-se da capela “ai um zombie ai um zombie” e chegados à rua esperava-os um enxame de abelhas que os obrigava a retroceder todos borradinhos de medo a exitar entre as ferroadas ou o voltar para junto de um zombie mas isto era só para dar uma volta à história porque na realidade o Saraiva continua mortinho da silva, todo estiradinho no caixão sem dizer ai nem ui com aquele ar seráfico que só os mortos conseguem ter, inerte e imaculado como quando usava a bata de dentista e de seringa na mão “ora vamos lá então arrancar esse dente”, bem quando foi comigo o meduncho era tanto que enquanto se aproximava de seringa em riste eu ia subindo subindo pela cadeira até estar quase de pé “veja lá se calhar é melhor vir cá outro dia” “não, continue já que vim vamos a isto” e ele na altura foi, agora foi-se.
Pois é “o dentista morreu.Coitado!”, hoje o consultório deve estar fechado, nas janelas aqueles papéis com uma cruz negra que informam que no dia tantos do tal o sr. Fulano entregou a alma ao criador e foi desta para melhor, realizando-se o funeral no cemitério de Arronches de Cima ou de Baixo consoante a idade das pessoas, podendo mesmo aproveitar o local para falecerem também evitando assim incómodos e deslocações desnecessárias à família e amigos, mas isto seria num mundo ideal em que tivéssemos em conta o próximo e os incómodos que lhes pudéssemos causar, se os indivíduos com mais de 45 anos aproveitassem os funerais alheios para morrerem também, este país que se chama Portugal teria uma melhor qualidade de vida para os restantes já que o dinheiro que o estado poupava em reformas e aposentações daria bem para pagarmos menos impostos e até para evitar perguntas incómodas do anibal Alzheimer de Boliqueime “mas o que é preciso fazer para que em Portugal nasçam mais crianças?”, se ele não sabe posso explicar-lhe, bem mas para terminar e já que o “dentista morreu. Coitado!” mas também para que não me acusem de incoerente com o que acima deixo escrito aviso já que morra quem morrer a partir de hoje eu “Nandinho o homem bomba” aproveito para esclarecer desde já os futuros defuntos que morra quem morrer a mim é que não me apanham lá.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Da viagem ao vitinho

Por norma apanho o autocarro das 7H20 mas hoje não, hoje por um qualquer acaso atrasei-me e apanhei o das 7H30, bem não foi um mero acaso eu sabia que o tempo estava a queimar mas decidi comprar a Visão logo naquele momento mesmo sabendo que corria o risco de perder o autocarro, no cimo da rua onde moro existe um quiosque de jornais e revistas e mesmo junto o café de um brasileiro que tem uma bica porreira, espumosa mesmo com sabor a café e ainda por cima custa apenas 50 cêntimos, óbvio que o apenas aqui é relativo já que os cinquenta cêntimos correspondem grosso modu aos saudosos cem paus que davam para tomar na pior das hipóteses 6 bicas e se agora alguém me perguntar porque é que comecei a falar de bicas e de escudos a minha resposta é “não sei” mas acontece que escrevo como falo as palavras vão desfiando em correntes e quando dou por mim posso ter começado por falar de limões e acabar a falar do rei da Prussia mesmo sem sequer saber se a Prussia tem rei rei ou é algum país mas pronto foi o que me veio à cabeça.
Bem, vinha a sair do café já com a Visão e o estomago quentinho pelo café do brasileiro quando vejo o autocarro a dar a curva “foda-se perdiu-o”, fui até à paragem enrolei um cigarro fumei-o e mesmo quando tinha acabado de fumar apareceu o das 7H30 fiz-lhe sinal, aquele estender de braço como quem diz “aguenta aí” ele parou eu entrei e surpresa das surpresas, vinha cheio, cheio como um ovo de codorniz ou um bago de uva, o 7H20 vem sempre vazio dá sempre para escolher lugar, mas hoje “tá quieto oh mau” tive que ficar logo ali à porta, apertadinho, espremidinho, entaladinho, tudo em inho como fudidinho, nem sequer conseguia abrir a mochila para ler a revista o que vale é quando chegou ao Alto de Campolide saíu montes de gente e embora continuando de pé pelo menos inho já não ia, na paragem seguinte aquela que serve o liceu Maria Amália, três miúdas que iam nos primeiros bancos pediiram ao condutor se podiam sair pela frente “não, teem que sair por trás” “vá saiam lá pela frente mas isto é só porque são bonitas” e piscou-me o olho, ainda pensei que fosse algum tarado mas comecei a falar com ele e afinal até era um tipo simpático que apenas tinha estado a brincar com as miúdas, “isto se um gajo não se ri um bocado tá lixado”, falámos das modificações da rotunda do Marquês “isto no primeiro dia foi uma desgraça mas agora tá bom”, cheguei à ultima paragem, desci, dirigi-me ao metro “foda-se portas fechadas a greve” fiquei lixado não com o pessoal do metro que exerce o seu legitimo direito à greve mas comigo que sabia da greve mas tinha esquecido, dirigi-me para a Fontes Pereira de Melo onde param os autocarros para o Campo Grande e que vão para o Senhor Roubado ou para Odivelas, olhei para o marcador electrónico faltava 1 minuto para o Senhor Roubado 5 minutos para Odivelas, o primeiro parou antes da paragem para descerem pessoas e arrancou sem levar ninguém, ia cheio, lá enrolei mais um cigarro e esperei pelo próximo, fumei, esperei, chegou o autocarro que desta vez parou na paragem, vinha cheio também mas o condutor lá abriu a porta e com esforço lá consegui entrar, fiquei ali entaladinho contra a porta “ali no Saldanha sai muita gente”, disse alguém, chegámos ao Saldanha e sair alguém “tá quieto”, as conversas eram muitas e de tantas eu que sou um cusco do caraças e ando sempre à espera de apanhar uma palavra, uma frase que dê azo a escrever um textinho nem uma consegui, as conversas faziam-me lembrar os automóveis nos sucateiros depois de passarem pela prensa que os comprime, eram assim as conversas um enorme conjunto de palavras prensadas das quais não consegui identificar nem uma e foi assim que fiquei sem tema para escrever sobre alguma coisa,  estou para aqui a deixar cair palavras quase ao acaso porque quero escrever mas escrever o quê? Ou sobre o quê? Isto quando um gajo não tem imaginação e se quer armar em literato é o que dá, escreve escreve e não diz nada, tá bem, se por ventura alguém ler isto já deve estar a pensar lá está este armado em Gato Fedorento “eles falam falam mas não dizem nada” e pronto lá divergi de novo mas também já vos tinha avisado que sou assim por isso não se queixem que vou já voltar ao tema, pois é ali ia eu todo inho no autocarro, já não conseguia apanhar a das 8H00 para Loures estava a contar apanhar a das 8h10 e o tempo dava, cheguei ao Campo Grande eram 8H07 “cum caraças granda bicha”, achei estranho mas tudo bem, era dia de greve no metro.
Lá me cheguei à bicha, saquei a revista da mochila e comecei a ler, logo na capa uma alegria “Descubra as Diferenças” (receitas para sair da crise) e é porreiro constatar que no estrangeiro a receita é penalizar os que mais teem e em Portugal, esta merda deste rectângulo à beira mar plantado, as esforços recaiem sempre sobre os mesmos os desgraçados que não fazem transações bolsa nem conseguem fugir ao fisco nem teem grandes fortunas em off shores, a classe média que já não existe o desgraçado que trabalha por conta de outrem, seja esse outrem privado ou publico, Portugal tornou-se uma coisa, recuso-me dizer país ou estado, em que os assaltos já não se fazem pela calada da noite ou no caso de ser de dia de cara tapada, agora os roubos são feitos em frente a câmaras de televisão onde um filho da puta de voz monocórdica legitima o roubo com gráficos e modelos esquecendo porem de dizer que nos livros de economia quando se fala de modelos em nota de rodapé vem “se tudo o resto se mantiver” e nós sabemos que “tudo o resto se alterou”, o desemprego, a queda das receitas, a recessão, a diminuição do PIB, porra lá me desviei outra vez da minha viagem pelos diversos transportes publicos até chegar ao meu local de trabalho mas pronto para que estes desvios se não mantenham porventura é melhor ficar já por aqui mas antes de terminar queria dizer-vos que também havia greve da Rodoviária e deixar aqui um pedido áquele tipo que ontem falou falou na televisão a dizer entre coisas que ia “haver um enorme aumento de impostos”  e o pedido é: “ó vitinho quando me estiveres a meter a mão no bolso, seja ele esquerdo ou direito, ri-te pá é que gosto que quando estou a ser sodomizado os filhos da puta se riam”

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

O Contrato de Management

Estou indignado porra, estou mesmo indignado e desta vez não tem nada a ver com o tretas ou com o vitinho porque esses quando aparecem já sei desaperto o cinto, desaperto o cinto é como quem diz que aquilo tem tantos buracos que mais parece uma rua em ano que não haja eleições, baixo as calças, descontraio as nádegas que é para não doer muito e depois pronto eles que se sirvam à vontade que é para isso cá estamos, mas desta vez é que estou mesmo indignado então não é que um cabrão de quem eu me prezo de ser amigo e julgava que me retribuía essa condição se chegou ao pé de mim com uma gaspariana proposta? E talvez tenha sido por isso que estava naquele estado de nervos que quase me levava a amarinhar paredes armado em homem aranha mas eu conto-vos já.
Estava eu muito bem sentadinho na tasca do Moinas a beber o meu meu mata bicho quando apareceu o “Velho” com a samarra sebosa, barbas e cabelos brancos, cigarrilha no canto da bomba, boina basca, tem a mania que é anarquista o cabrão, óculos de aros redondos, calças amarrotadas e  amarradas com uma corda, sapatos que já tinham visto melhores dias e “posso sentar-me?” “ãh?”, achei aquilo estranho porque o gajo não é nada tipo de cerimónias e para mais a nossa amizade, julgava eu, de mais de trinta anos dispensava este tipo de protocolos delicadezes, “podes claro que podes sabes bem disso” “pá um bocadinmho de educação não fica mal a ninguém” “deixa-te de merdas então é agora quase nos setenta que te tornas um delicadinho?” o velho deu mais duas baforadas na cigarrilha “cof” ”cof” “cof”, “olha rebuçados doutor Bayard” “foda-se bem sabes quisto é catarro” “catarro catarrão põe mas é aqui a mão” “vai pó caralho qué que tás a beber?” “branco velho “Velho”, “oh Moinas trás aí mais um branco velho pró Nandinho e um tinto cá pró “Velho”” “tá já a saír”, o “Velho” recostou-se no banco “ah que rica vida” “dizes tu”, chegaram os copos o “Velho” agarrou no copo levantou-o “vamos fazer um brinde” “um brinde a quê?” “à nossa sociedade, vou ser teu manager” “manager? “mas manager de quê?” “bebe ca gente já fala” como o “Velho” estava sempre com ideias malucas caguei, já sabia, pensava eu, que com mais uns tintos e uns brancos velhos daqui a pouco se estivéssemos a falar de alguma coisa que não fosse gatinhar pelo chão era de putas, o Moinas fartou-se de ir e vir do balcão à nossa mesa com o pano de limpar os copos presos no cinto trazendo e levando copos, eu já estava com uma narça do caraças mas o cabrão do “Velho” parecia que naquele dia por mais que bebesse não se entornava e às duas por três do bolso da samarra tirou uma folha de papel pardo cheia de nódoas de chouriço ou banha, sei lá, e disse “tá aqui o contrato” “contrato? contrato mas contrato de quê?” “para eu ser teu manager” “ó méne vai mas é pró caralho vens práqui agora gozar comigo e para mais manages só à trois” “não sejas parvo lê e logo me dizes”, agarrei na folha com um certo nojo, tinha tomado banho nesse dia, fechei um olho para conseguir ler e em cima como titulo “CONTRATO DE MANAGEMENT” “qué isto pá?” “cala-te e lê”, caguei e li, o “Velho” arrotou, “queres assim ou com mais molho” e riu, riu que nem um perdido continuei com o olho fechado a olhar para a sebosa da folha e aquela merda só tinha dois parágrafos, “tá bem é curto posso dar-me ao trabalho de ler”
Parágrafo 1 – o 1º outorgante “Nandinho o homem bomba” compromete-se perante o 2º outorgante o “Velho” a escrever diariamente um textinho do qual o “Velho fará o uso que bem lhe aprouver.
Parágrafo 2 – o 2º outorgante o “Velho” compromete-se perante o primeiro outorgante “Nandinho o homem bomba” a fornecer-lhe toda a quantidade de vinho necessária à sua actividade não tendo para com ele mais nenhuma obrigação.
“pá tu tás bêbado?” “ainda não” “é que se não estás parece” “parece porquê? não estás satisfeito? não é bom pra ti?” “não é isso pá na parte do vinho tá bom mas eu é que não sei escrever se vires bem aquelas merdas são só sodukus de palavras” “foda-se só pensas nisso” “em quê” “em foder” “em foder? mas porquê?” “então ainda há bocado era manage à trois e agora falas-me em cu” “pá tás mesmo bêbado ou então és burro” “ai sou burro? então táqui um gajo a tentar resolver o teu problema de alcoolismo e ainda me chamas burro” “não te quis ofender” “não ofendes mas chateia até porque tenho muita consideração pelos burros e tanto que tenho que vou sempre votar” “de grande merda isso te serve” “sempre dou de comer a uma data de gajos que não sabem fazer nada e combato o desemprego” “aí tens razão” levantei-me e com o impeto fiz cair o banco, o Moinas gritou logo de trás do balcão “se estão bêbados vão curtir a bebedeira pra outro sitio”. Eu e o “Velho” saímos e ficámos na porta da tasca a falar do contrato, eu renitente, até porque era uma grande transformação na minha vida podia beber daquilo que escrevia, e o “Velho” teimoso a insistir que assinasse não sei com que objectivo, não vislumbrava lucro nenhum que ele pudesse tirar verdade seja escrita que sempre tinha sido altruísta mas ao ponto de malimentar a vinho? cheirava-me a altruísmo a mais era o mesmo que alimentar um burro a pão de ló, caminhámos até ao cimo da rua onde ele tinha estacionado a pick-up, pôs a mão no bolso, sacou a chave, abriu a porta, deu-me um abraço “pensa nisso” “fica descansado” e lá arrancou rodando ate à Roda.
Desci a rua, entrei em casa e deitei-me nos lençóis sujos, liguei a televisão  no opinião pública estavam pessoas que telefonavam para lá a queixar-se da comissão liquidatária, um politólogo afecto à corja por entre sorrisos lá desexplicava que os sacríficos eram “a bem da nação”, caguei e desliguei, pus-me novamente a ler a folha de papel pardo ou “CONTRATO DE MANAGEMENT”, sempre tinha vinho à borla e já estou velho para grandes exigências, o Lótus entrou no quarto a brincar com um novelo de cordel e aí o quarto todo se iluminou como se de um milagre da senhora de Fátima se tratasse, descobri tudo, o cabrão do “Velho” como velho que éramos queria voltar à infância, queria fazer renascer uma industria outrora próspera e que a voragem dos tempos havia feito desaparecer, tive que me render à evidência e aí nem exitei assinei logo e nem foi pelo vinho foi mesmo por querer, um querer de desejo feito, o cabrão do “velho” era um visionário queria fazer renascer a industria da literatura de cordel e até pode ser que com esta industria renascida o anibal de Boliqueime se lembre de dizer ao tretas que aquilo que ele tinha feito uns anos atrás no tempo das vacas gordas em que a troco de dinheiro mandou acabar com pescas industria e agricultura tinha sido asneira e que a ele tretas lhe cabia o papel de as fazer renascer, embora lhe faltasse inteligência para isso, podia ser que assim Portugal se visse livre da crise em que o tinham metido, o “Velho” era um génio de facto com um rolo de cordel e algumas folhas com palavras sudokizadas queria apontar caminhos, queria que o anibal reconhecesse que errou, queria que o anibal deixasse de ser o canibal que nunca tem duvidas e raramente se engana, ah “Velho” “Velho” o que aprendo contigo e dia 27 levo-te o contrato já assinado.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Viva o sr. primeiro ministro

Ontem depois de ouvir a entrevista do nosso primeiro ministro à RTP 1 decidi mudar o meu posicionamento perante ele e as suas medidas, e como poderia ser de outra forma? Fiquei a saber que não temos alternativa, que os cortes nos salários, a descida da TSU, os cortes na saúde, educação e subsídios sociais bem como a miséria para que estamos a ser empurrados são tudo medidas “a bem da nação”, é tudo para o nosso bem, nunca mais lhe chamo tretas coelho a partir deste preciso momento quando a ele me referir será sempre por sua excelência o mui excelso primeiro ministro de Portugal dr. pedro passos coelho, um homem que sempre teve uma vida de trabalho primeiro na juventude partidária do partido a que preside, depois foi estudar à noite e comprou, perdão, tirou um curso superior não para que o tratem por dr mas sim para ter suficientes conhecimentos académicos que lhe permitiram singrar na vida começando logo, o que atesta os seus conhecimentos e experiencia do mundo do trabalho, como administrador nas empresas do também mui excelso angelo correia.
Sim o nosso primeiro ministro é um homem empenhado em conduzir-nos aos “amanhãs que cantam”, quando vende ao preço da uva mijona as empresas ancora do nosso país não é para favorecer amigos nem dar de mão beijada o nosso país ao grande capital, coisa que decerto o repugnaria, mas sim para que todos nós e todas as gerações vindouras tenham um futuro sorridente, mesmo que sem dentes visto os necessários cortes na assistência dentária, para que Portugal subsista e possa continuar subservientemente de mão estendida e espinha curvada perante a europa e o mundo num assumir de culpas pelo nosso passado de colonizadores e piratas, sim com este mui excelso primeiro ministro deixámos de ser proscritos e passámos a ser bons alunos apesar de grande parte de nós não se ter esforçado o suficiente para comprar, perdão, tirar um curso superior que lhe permitisse começar no mundo do trabalho logo como administrador de empresas mesmo que seja em empresas de amigos inventores que inventaram por exemplo a “revolução dos pregos”.
Com este mui excelso primeiro ministro e o seu frugal exemplo de homem de Massamá, em sua honra penso que se deveria passar a chamar Mássaboa, já nem me queixo de ter abdicado do almoço e passado a comer uma sopinha no bar do local onde trabalho, não me queixo de não poder fazer alguns exames de saúde que teria que pagar na integra por que para bem de todos nós a saúde passou a ser um bem só para alguns, os que a podem pagar, não me queixo de em vez de tomar três trentais por dia como o parvo do médico queria tomar só dois, não me queixo do aumento dos transportes nem da subida do iva nem das constantes subidas de impostos nem de nada porque sei que todas estas restrições são “a bem da nação”.
Com este mui excelso primeiro ministro Portugal tem finalmente um rumo, mesmo que o rumo seja o abismo, e para que alguns portugueses não se percam pelo caminho lá tivemos o corte nos passes da terceira idade para que esta camada da população eventualmente não apanhe um transporte errado que os afaste do rumo tão arduamente traçado e os cortes nos passes da malta estudantil bem como na assistência social escolar com a consequente baixa de bolsas de estudo? Mais uma ótima medida, quem não tem dinheiro não tem vícios onde é que já se viu malta das barracas a querer tirar um curso superior? Como se já não bastasse que ainda sejam gajos que veem para a rua berrar contra o aumento do custo das propinas perturbando assim a boa paz social e ofendendo a mãezinha do sr primeiro ministro e do sr ministro da educação, senhoras que se mais nada tivessem feito só o facto de terem dado ao mundo tão eminentes vultos como vossas excelências as deveria senão por num altar pelo menos livrá-las de bocas ordinárias e terem mesmo uma pensão vitalícia que lhes permitisse andarem tranquilamente pelo mundo a gozar o facto de vos terem parido.
Estamos juntos sr primeiro ministro, jamais lhe voltarei a chamar tretas nem filho da puta nem vigaro nem ladrão nem nada, vou mesmo lá em casa junto ao altar onde tenho a srª de fátima e um santo antónio criar um espacinho onde possa colocar a sua fotografia para que à noite quando acendo as velas a sua insigne figura possa também ser iluminada e recebedora das minhas mais veementes preces para que Deus nosso senhor o proteja bem como a toda a sua família e seja o nosso guia por muitos e bons anos como aqueles que agora vivemos, passei a ser um seu admirador admiro-o tanto como ao marcelo ao thomaz e ao salazar esses homens providenciais que tão bem nos conduziram durante quarenta e oito anos em que apesar de “orgulhosamente sós” éramos um exemplo para o mundo com as nossas colónias, os nossos bairros de lata, a fome, a miséria, as guerras contra os pretos, a pide, as prisões politicas, os delitos de opinião, os tribunais plenários e tantas tantas coisa boas com que a data fatídica do 25 de Abril acabou, sei que como eu o sr primeiro ministro também abjura esta data que tanto escurece a nossa história e só não percebo, mas o sr lá deve ter as suas razões que a minha ignorância não permite compreender, porque é que nos feriados com que acabou não introduziu também o 25 de Abril e o 1º de Maio, foi para dar mais dois dias aos calaceiros que vivem neste país?
E agora sr primeiro ministro acabo pedindo-lhes as minhas mais humildes desculpas é que amanhã sábado vou à manifestação contra o fmi  no dia 29 vou à da Intersidical  no dia 5 de Outubro vou fazer parte daquela cambada que quer invadir o parlamento e se mais houver mais terei de ir mas sabe a culpa não é minha é que já desde antes do 25 de Abril que convivo com uma data de arruaceiros, é assim que lhes chama não é?, de esquerda e parece mal não comparecer porque depois se calhar passavam também a chamar-me a mim aquilo que lhe chamam a si, filho da puta, ladrão, vigaro, aldrabão, vendido, mentecapto, traidor da pátria e outras ordinarices que o sr não merece mas fique descansado sr primeiro ministro que se lhes chamar estes nomes, instigado pelos outros claro, à noite quando acender as velinhas ao santo antónio e à srª de fátima vou também rezar para que se vossa excelência adoecer seja muito bem tratado por este sns que o sr e o seu colega paulo macedo tanto fazem por preservar.
P.S.(d) – Outra coisa que ainda não compreendi é porque ainda não recriou a pide, a censura e a policia de choque? Se ainda não pensou pense que acho que lhe devem vir a fazer falta.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

O Velho do Cartaz

Levantou-se, fez uma festa ao gato que todos os dias esperava que acordasse para lhe dar água e comida, o que fez de seguida, foi à janela apanhar o toalhão de banho que secava do dia anterior, tomou banho, fez a barba, perfumou-se, vestiu-se como se fosse trabalhar, escreveu uma carta que fechou num envelope e endereçou ao filho, fez mais umas festas na cabeça do gato, pediu-lhe desculpa, pegou no jerrycan e num cartaz que de véspera tinha deixado junto à porta e saíu para a rua, de há muito que a ideia lhe maturava na cabeça mas até aquele dia nunca tinha tido coragem de o fazer só que o constante agravar da situação sua e do país bem como a inércia de todos os portugueses trouxeram-lhe um crescendo de coragem ou covardia, depende do posicionamento moral das pessoas, e decidiu fazer, fazer o que tanto tinha pensado, decidiu tomar nas suas mãos o despertar das pessoas, o que ia fazer decerto seria noticia de telejornais e jornais, talvez até internacionais, levando a que os portugueses despertassem da sua letargia ou então talvez continuassem adormecidos e dissessem “mais um maluco”, tudo isto eram pensamentos que lhe assolavam a cabeça enquanto na paragem do 702 enrolava um Amber Leaf na espera do autocarro.
O autocarro chegou, disse bom dia ao condutor, como sempre fazia, passou o passe pelo dispositivo electrónico que diz se este está válido ou não, sentou-se ao lado duma senhora já velha, abriu a Visão, leu a “Boca do Inferno” do Ricardo Araujo Pereira “A culpa morre poliândriaca” uma frase chamou-lhe a atenção “está cientificamente provado que cavaco não tem culpa de nada”, sorriu como sorria ou ria sempre com as crónicas do RAP, apesar do que ia fazer estava calmo, extraordinariamente calmo, parecia que o que antes tinha pensado e agora ia concretizar se tinha tornado numa missão inadiável, porventura era, mas nem ele se apercebia da verdadeira dimensão da coisa, ele que imitava o Jorge Palma e sempre fora um “optimista ceptico” era agora um calmo desesperado, desesperado de justiça, desesperado de igualdade, desesperado das corjas que tinham destruído a “jangada de pedra” que não descolava, desesperado não sei se será bem o termo talvez assente melhor desiludido, entretanto o 702 tinha chegado ao Marquês onde saíu, dirigiu-se à entrada do Metro onde mais uma vez se submeteu ao ritual de passar o passe por outro dispositivo electrónico de leitura e entrou, desceu as escadas da linha amarela em direcção ao Rato, esperou tranquilamente, o metro chegou, entrou, não se sentou, era só uma paragem, e num nada estava no Rato, desceu da carruagem, subiu as escadas num ápice estava no Largo do Rato onde o esplendor da manhã radiosa o apanhou em cheio na cara, atravessou a rua com cuidado por causa do trânsito, dirigiu-se ao café onde antes era “A Ginginha do Rato”, pediu um café e meio copo de água,bebeu, pagou, saíu.
Já na rua pensou se seria melhor descer a rua de S. Bento a pé ou esperar por um autocarro, tinha um estrangulamento da artéria femural que lhe doía horrivelmente quando andava mas se a manhã estava tão bonita porque não desfrutá-la? Decidiu ir a pé, passou pela “Fernandes”, chegou à Rua de S. Bento e começou a descer, o peso do cartaz e do jerrycan associados ao estrangulamento da artéria forçaram-no a inúmeras paragens, ele parava e seguia até à próxima paragem e assim parando e andando chegou à Rua Nova da Piedade, tinha tempo, muito tempo, subiu-a até à Praça das Flores, sentou o corpo velho num banco, fumou mais um cigarro, aspirou um pouco mais de Sol, viu as pessoas que na esplanada da esquina tomavam café e liam jornais, eram jovens como ele já fora, mas tão diferentes de indiferentes que eram ao mundo em que viviam, um arrepio percorreu-lhe a espinha e lembrou de novo a “missão”, levantou-se pegou no cartaz e no jerrycan, desceu a rua que tinha subido e ei-lo de novo na rua de S. Bento que voltou a descer, tinha agora a cabeça cheia de duas musicas “Os Vampiros” do Zeca e o “FMI” do Zé Mário, soavam-lhe a hinos que o acompanharam até à escadaria do palácio onde funciona a a.r., subiu as escadas, sentou-se a meio e fumou mais um cigarro, estava extremamente tranquilo, ninguém passou por ele, ninguém se lhe dirigiu, era apenas um velho, à priopri não tinha obstáculos para fazer o que decidira fazer, suava em bica mas não era medo era o calor de Setembro que o abraçava, calmamente destapou o jerrycan, regou-se com ele, pegou no cartaz com a mão esquerda, com a direita tirou do bolso das calças o isqueiro Bic com que acendia os cigarros, acendeu-o e chamas inundaram o seu corpo de velho, pensou no filho e no gato, mentalmente pediu-lhes desculpa, ouviu a guarda pretoriana que guarda s. bento correr aos gritos na sua direcção, percebeu que gritavam mas não percebeu o que diziam, alguém o regou com um extintor, as chamas apagaram mas era tarde apesar de vivo ainda, no chão tombado a seu lado o cartaz, dizia “PORTUGUESES REVOLTEM-SE”, alguém pegou no cartaz e o levou, chegou o 112 que o levou para a unidade de queimados de S. José, a respiração era rápida e ofegante, chegou rápido ao hospital onde o enxeram de unguentos e gaze, nunca soube se a noticia passara nos telejornais, tinha o corpo coberto em ¾ com queimaduras de 1º grau, esteve três dias em agonia até que deixou de agonizar e viver, nunca quis ser mártir apenas rastilho, também nunca soube se o tinha conseguido como não soube se quem levou o cartaz algum dia o ergueu, mas partiu sabendo que ele tinha feito a sua parte resta agora que outros façam a sua e que todos juntos sejam a resposta ao apelo do cartaz.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O Fim


O cheiro da estearina penetra-me as narinas, a presença de todas aquelas pessoas de ar pesaroso que me rodeiam, preocupa-me, ouço as vozes lamentando alguém que partiu tão novo, que deixou um filho um gato livros filmes e discos, dizem que era boa pessoa, que nunca mostrava má cara a ninguém, um pouco louco é certo mas sempre com um sorriso nos lábios e incapaz de dizer não.

As pessoas revezam-se, enquanto umas saem outras entram e o estranho é que todas se debruçam sobre mim, pareço ser o centro das atenções o que me incomoda sobremaneira, “que é que estes gajos fazem olhando-me com olhos baços? Parece que nunca me viram”, permaneço inerte observando, apenas observando, vejo-os assinarem um livro que está numa mesa pequena redonda e as pessoas sentadas em cadeiras naquela pequena sala rectangular, eles estão engravatados e de fatos escuros elas também com roupas onde também não impera cor, conheço a maior parte deles uns são meus amigos outros conhecidos e outra malta lá do trabalho, “mas que raio é que esta malta faz toda aqui?” e “eu? eu o que faço aqui?”, mas não pergunto nada a ninguém, nem sequer sei como ali fui parar, não me lembro de nada das ultimas 48 horas, “estarei de ressaca?”, tento aprimorar a audição tentando perceber o que se passa mas nada, as vozes manteem o mesmo tom silencioso mesmo quando alguém convida alguém para ir fumar lá fora, sei que estou no centro e todos manteem uma distância reverente de mim, “que estranho ninguém me dirige a palavra”, entram dois amigos meus que se aproximam e também nada me dizem, parecem olhar-me de cima, fazem “tsss” e franzem o sobrolho entre eles, “será que chateei alguém para ninguém falar comigo?” mas se não me falam alguma razão devem ter, tento ver as horas mas desde que perdi o braço esquerdo deixei de usar relógio, habituei-me a perceber o tempo pela posição do Sol, mas ali naquele rectângulo fechado não há Sol apenas uma lâmpada fluorescente no tecto, não consigo perceber se é noite se é dia mas também foi uma coisa que nunca percebi bem, vivia independepentemente das horas ou fusos horários a falar verdade o que me orientava era o estômago e as suas necessidades mas também convem que se diga que nunca fui gajo de comer muito, beber sim, mas comer nem por isso, ouço falar em cirrose e penso “porra do que estes tipos se lembraram” e devo ter transposto este pensamento para as minhas recordações dos últimos tempos e para aquela dor abdominal que me andava a atormentar mas não deve ser nada que agora não sinto dores e verdade seja dita sinto-me perfeitamente tranquilo, não sinto a menor das preocupações apenas estranheza de ninguém falar comigo e sussurarem entre si como se quisessem que não ouvisse, e se calhar não queriam mas estou-me borrifando que nunca fui gajo de me meter na vida de ninguém.

As pessoas lentamente começam a abandonar a salinha e entre si dizem “até amanhã” mas ninguém se despede de mim, quando o ultimo sai vem um senhor que apaga a luz e fecha a porta, “que merda fico agora aqui sozinho e sem luz”, o silêncio faz com que me aperceba do mais ínfimo ruído, os carros que passam na rua longe, o senhor que passeia o cão e diz “despacha-te que o dono tem que se ir deitar”, o leve restolhar das folhas levadas pelo vento, os gatos a miar, uma rapsódia de sons que se ouvem apenas quando o silêncio á absoluto, adormeço de barriga para cima e não sobre o lado direito como costume, ainda tento rodar sobre mim para essa posição mas é impossível ou o corpo não me obedece ou parece que estou dentro de uma caixa, Que se lixe durmo mesmo assim”.

Sou acordado pelo barulhos de umas chaves na fechadura e pelo acender da tal lâmpada fluorescente, estou agora sozinho e penso onde raio estarei eu mas este pensamento é curto porque entretanto chegam pessoas com o mesmo ar pesaroso da véspera, chegam cumprimentam-se e sentam-se continuando sem me dizerem nada de nada, “mas que é que eu fiz a esta gente para ninguém falar comigo?” contudo ouço as suas palavras sussurradas de onde sobressaem o coitado, tão novo, cirrose, vem alguém que diz “podemos fechar o caixão?” como resposta apenas obteve silêncio e uma imensa escuridão abate-se sobre mim, sinto-me levado contra vontade mas não consigo dizer nem fazer nada, ouço o barulho daquela caixa, agora já sei que estou numa caixa, a ser colocada em qualquer lado que não sei qual, apenas o ruído de a empurrarem. Sinto um movimento de qualquer coisa que transporta a caixa, sinto essa coisa parar, sinto o mesmo ruído de quando colocaram aquela caixa naquela coisa mas agora em sentido inverso, levam-me sem qualquer ruído nem lamurias, poisam a caixa em qualquer lado e tiram a tampa, a luz do dia invade-me, as pessoas uma a uma debruçam-se sobre mim umas beijam-me na face outras dizem adeus. A caixa fecha-se de novo e a escuridão volta a imperar, sinto que pegam nela e a movem lentamente num movimento descendente, tento gritar mas o grito fica-me colado na garganta, ouço primeiro lentamente um barulho ritmado de algo que cai sobre a caixa, o ritmo dessa queda aumenta até que pára, a escuridão e o silêncio são agora absolutos, resigno-me, os pensamentos lentamente vão-se desvanecendo, entrego-me, rendo-me tento perceber o porquê daquilo e por fim percebo, cheguei ao fim.

 

A Coleção de Unhas dos Pés


Debaixo da cama tenho uma caixa de sapatos que em tempo teve sapatos, são muito úteis as caixas de sapatos as pessoas aproveitam-nas para guardar fotos, recortes de jornais, bilhetes da lotaria, bichos da seda, cromos e mais uma infinidade de coisas que caibam numa caixa de sapatos, mas eu não, eu guardo unhas dos pés, isso mesmo, unhas dos pés enquanto as outras pessoas colecionam as mais diversas coisas eu coleciono unhas dos pés.

Desde aquele dia em que a minha mãe disse “Fernando já és crescidinho a partir de hoje cortas tu as tuas unhas” e deu-me um corta unhas que coleciono unhas dos pés, só dos pés as das mãos não me interessam ou deito-as fora ou dou-as ao gato para comer, se comemos “linguas de gato” porque é que eles não hão-de comer algo de homem mesmo que sejam unhas das mãos? Penso que assim estou a reequilibrar a natureza, se nós comemos “linguas de gato” o meu come unhas das mãos e por acaso até penso que gosta porque tirando meia duzia de vezes em que se engasgou e tive que abrir-lhe a boca à força para lhe tirar as unhas da garganta, fiquei todo arranhado mas isso são coisas que acontecem,e penso que gosta porquê? nunca se queixou e por vezes às escondidas até dá umas secretas lambidelas nos lábios.

Mas o que aqui está em questão é a minha coleção de unhas dos pés, é uma coleção fácil de fazer não temos que ter a preocupação de as arrumar com cuidado para não se amarrotarem ou estragarem é só agarrarmos nos dedos, eu começo sempre pelo maior do pé direito, cortá-las pô-las e cima da mesa de cabeceira e depois de cortada a última, a pequenina do pé esquerdo, deitamos a mão para debaixo da cama, com cuidado para não pôr a mão dentro do penico, puxamos da caixa agarramos nas unhas todas que estão na mesa de cabeceira e zás tudo de uma vez para dentro da caixa elas não se chateiam minimamente com a posição em que ficam, estão dentro da caixa e pronto mas o cortar das unhas dos pés para ser mais simples requer um truque que vos vou ensinar e é simplicissimo, é só deixar crescer as unhas durante uns bons seis meses para ganharem um tamanhinho razoável e pronto estão boas para serem cortadas, teem aquele tamanho ideal para fazermos a operação sem grandes trabalhos de dobragem de costas  é só pegar no dedo apontar o corta unhas apertar as duas extremidades e pronto já está. Há pessoas que teem a mania de cortar as unhas frequentemente mas isso é uma parvoice então reparem teem primeiro com aquela coisinha pequenina que os corta unhas teem de limpar o merdelim que está por debaixo da unha e depois a pontaria que teem de fazer para não magoar o sabugo, o sabugo não a elas próprias porque o sabugo não é das unhas o sabugo é das pessoas mas outras ainda é pior vão à pedicure, pedicure vejam bem que mariquice, já viram o que era eu entrar na pedicure com um saquinho de plástico na mão e dizer-lhe “ olhe faxavor não deita as unhas fora depois de cortadas ponha-as aqui neste saco que é pra levar pra casa” a mulher até devia pensar que eu era doido e se não fosse o risco de alguém seguir as minhas sábias palavras e provocar mais desemprego até lançaria aqui uma palavra de ordem “pedicure não obrigado”.

Pois é mas a minha caixinha de unhas dos pés está aqui debaixo da cama e por vezes de noite enquanto vejo as novelas da tvi até as vou buscar acaricio-as e cheiro-as, como é bom aquele cheirinho a xulé acumulado, aquela gaja loira do cinema a Marylin ou lá o que é dizia que dormia só com Channel 5, parva, eu durmo com as unhas dos pés além do cheiro ser bem mais agradável também a nivel de preço não tem comparação, as unhas dos pés são de borla.

- O quê sr. Enfermeiro?

-Sr. Fernando está na hora de tomar os seus comprimidos.

Olha desculpem vou ter que ficar por aqui se não o enfermeiro chama outros e leva-me à força se me deixarem voltar à internet contou-vos o resto da história e até talvez vos fale de uma coleção que iniciei agora, pêlos da pubis.

sábado, 1 de setembro de 2012

Dois loucos de Lisboa e a Triunfal Viagem a Olhão


Esta é a história de dois loucos de Lisboa, normalmente eram três mas esta foi só com dois, hoje um deles chama-se Bobby de la Fontaine ou “o Velho” e o outro “Dude” ou Nandinho o homem bomba mas naquela altura não, eram respectivamente o Bitencas e  Monteiro, pois bem nesse dia o Bitencas passou toda a tarde a foder a moleirinha do Monteiro para irem visitar as tias dele a Olhão, o Monteiro mostrava-se renitente “pá não vou tou teso” “não há azar tenho massa que dá prós dois” “não vou” “vem” “não vou” “vem” “não vou” “vem” e o Monteiro lá acabou por ser convencido, pudera não estava sempre a “puxar-lhe o pezinho pró chinelo” e sempre saíam de Lisboa “tá bem vou mas primeiro vamos ao Camões comprar fumo”, e foram eram 6 em ponto da tarde quando deram aos slides daquela empresa na Concelheiro Fernando de Sousa e se meteram num táxi “é pó Camões” “pá devíamos ter bebido qualquer coisa” “pois devíamos tou cheio da sede” “antes de comprar fumo vamos mamar qualquer coisa” “ah pois vamos”, chegaram ao largo do Camões enfiaram-se naquela tasca que faz esquina com a rua da Misericórdia do lado de esquerda de quem sobe e toca de mandar vir imperiais e mandaram vir tantas que quando deram por eles já era de noite “é pá foda-se, o comboio e ainda não comprámos nada” penso que nem sabiam a que horas era o comboio descendente na medida em que ia para o Algarve que como quem sabe para quem vai do Barreiro aquilo é sempre a descer. Sairam da tasca já bem aviados e dirigiram-se a um “dealer” conhecido do Monteiro “tens fumo?” “tenho” “arranja aí três ou quatro pintores” e o gajo arranjou. Devidamente aconchegados de álcool e de produto puseram-se a caminho do Terreiro do Paço, claro que a ervinha começou logo a ser consumida “ganda moca meu” “é da cerveja” “não é nada meu o produto é bom”, ainda devem ter visitado um dois senhores policias que era como chamavam aos caixotes de lixo onde vomitavam “desculpe senhor policia” “desculpe senhor policia” e depois de descerem a rua do Alecrim e palmilhado com mais ou menos curvas a rua do Arsenal lá chegaram ao longincuo Terreiro do Paço, “tou cansado meu vamos descançar um bocadinho” “não vamos nada vamos é tirar os bilhetes” e foram mas o sacana do barco ainda demorava, sentaram-se no café dentro da estação e vai de emborcar mais umas jolas, a merda do café não tinha imperial, beberam vieram à rua enrolar mais uma pica e “srs passageiros o barco para o Barreiro parte dentro de dez minutos” “bora pá” “bora” e lá boraram aos tombos até ao barco, aqui não me recordo mas penso que foram muito sossegadinhos e quietinhos.

Chegada ao Barreiro o ar fresco do Tejo deve ter-lhes feito bem já que saíram do barco sem tombos nem “desculpe senhor policia”, vai de estugar o passo até à estação, direcção à bilheteira “são dois bilhetes pa Tavira” “olhem que o comboio tá a partir e é o último” “tá bem então despache-se ca gente tem quir neste”, o homem passou os bilhetes o Bitencas pagou e lá fomos a correr à gargalhada até ao comboio, “foda-se que a carruagem é escura e já tá cheia”, por entre magalas da tropa , que iam de fim de semana velhos velhas e outros nem tanto lá conseguiram dois lugares juntos “enfim sós” no meio duma data de malta.

Pi Pi Pi Pi, era o comboio a arrancar e a malta a gargalhar, eram o fulcro centro das atenções dos demais combóiantes, seriam combóidepois após descerem mas agora eram combóiantes.

Com o “pouca terra pouca terra” e a distância percorrida os nossos colegas de viagem começaram a soltar-se talvez até alguém tenha puxado de um garrafão de vinho, mas já andavam de lugar em lugar, falavam alto, contavam piadas de gosto duvidoso mas estarem quietos é que está quieto ó mau. O Bitencas e o Monteiro para não destoarem ou porque eram mesmo assim também entraram logo numa de familariedade com aquele pessoal “e sa gente enrolasse uma broca” “tava à ver que nunca mais dizias nada” o  Monteiro sacou das mortalhas o Bitencas passou-lhe a erva e ele enrolou. Acenderam a dita cuja broca e foram fumando e passando de um para o outro, o cheiro da erva aromática invadiu a carruagem e os comboiantes todas de nariz no ar, “qué isto” “é tabaco de cachimbo” “e só teem um?” “não temos mais mas gostamos de fumar a meias” “se quiserem um cigarro a gente dá” disse um magala da tropa” “não deixa tar que quando a gente enrolar outro tu provas a ver se gostas” “tá bem sempre quero ver sé bom”, este ainda fumámos sozinhos e ainda também gargalhámos sózinhos ou pelo menos pareceu-nos.

O comboio continuou na sua marcha em direcção ao Algarve, “vamos pôr esta malta toda a fumar? “vamos” o Monteiro enrolou mais um charro, acendeu-o, deu uma passa e passou ao Bitencas “Oh meu queres uma passa?” para o magala da tropa, “quero sempre quero ver sisso é bom” o gajo aspirou, tossiu “porra arranha a garganta” “isso é porque não tás habituado, dá outra passa e prende nos pulmões” o gajo assim fez e aquilo parece que lhe bateu mesmo “pá vocês já me fuderam isto ´´e droga” “não é nada pá, é erva” “posso dar aos meus colegas para experimentrem?” “podes mas só dá uma passa cada um” “tá bem eu digo” e eis a magalada toda a fumar, as gargalhadas colectivas começavam a ecoar na carruagem começava de facto a ser “o comboio descendente onde vinha tudo à gargalhada uns por verem rir os outros os outros sem ser por nada”, “pá acabou-se e não fumou a malta toda” “foda-se quantos é que vocês são?” “não sei” o bom do Monteiro lá enrolou mais uma pica passou ao Bitencas que passou ao magala que a passou aos restantes colegas “não há mai nada pa ninguém a não ser que gente fume, orientem-se” “tá bem”, as conversas subiam de tom o gargalhar idem, surgiu-nos uma garrafa de vinho na mão e não nos fizemos rogados, gargalo na boca vinho na goela, as paragens sucediam-se e a carruagem ia ficando despida, ainda não tinha aparecido o pica, um senhor de idade perguntou ao Monteiro se ele tinha tabaco, ele disse que sim enrolou outro charro e passou ao homem, o homem deu o primeiro trago “foda-se quisto é forte, é droga?” “não é tabaco de erva” “ah”, deu mais um ou dois tragos e “tomem lá isto que não quero nada disto que já tou ca cabeça à roda” “não há azar passse que a gente fuma o resto”, já estávamos cuma buba e uma moca do caraças, uma personagem sinistra de cinzento e de boné com um alicate na mão aproximava-se “bilhetes” era o revisor, o Bitencas puxou dos bilhetes e passou-lhe “qué isso que tão a fumar? Tem um cheiro esquisito” “são cigarros de erva quer experimentar?” “é muito forte?” “um bocadinho mas aguenta-se bem e como as ervas são medicinais fica-se bem disposto” “deixem lá experimentar essa coisa”, passaram-lhe o charro para a mão ele deu duas passas “cof cof é forte pra caralho” “vai ver se daqui a bocado não está mais bem disposto” “capaz sei lá”, o picas lá foi à vida dele mas já um pouco com o passo desacertado e a festa na carruagem continuou apesar de já ir pouca gente, os magalas o Bitencas o Monteiro e pouco mais, os charros e as garrafas recomeçaram a rodar já ninguém se entendia a desbunda era total, uns cantavam outros só riam e havia grandes conversas filosóficas já que naquela altura todos eram experts em tudo, Tavira e a manhã aproximavam-se “tu tu tu” numa passagem de nível, o picas reentrou na carruagem “porra co tabaco que me deram deixou-me todo zonzo” “foi agora do tabaco você é que deve ter andado nos copos” “não andei pela alma da minha rica mãezinha” “ainda falta muito pra Tavira?” “é a próxima” “ói pessoal a malta vai sair na próxima” “já?” “já” “podiam deixar aí um cigarrinho daqueles prá malta” e eles deixaram.

Bitencas e Monteiro saíram, enfiaram-se na primeira tasca que encontraram e tomaram o pequeno almoço, imperiais e peixe seco, perguntaram onde eram as camionetas para Olhão e o tasqueiro disse-lhes, eram prái 7 da manhã e eles já perdidos de bêbados e com uma moca maior que as de rio maior, amparavam-se um no outro e tombo práqui tombo práli chegaram à estação de camionagem, pediram dois bilhetes para Olhão “onde é a camioneta?” “é já ali” e o funcionário apontou com o dedo, “achas que dá pra beber mais um bejeca” “não sei bora perguntar ao motorista” “falta muito pra partir?” “mais ou menos meia hora” “então dá” foram até um café mesmo em frente “são duas canecas e dois d. rodrigos”  beberam e voltaram prá camioneta “o sr. não se importa de nos avisar quando chegar a Olhão, é que saímos agora do comboio tamos cançados e podemos adormecer” “senrem-se aí no primeiro banco que quando chegarmos aviso”, sentaram, “foda-se tou todo fodido” “também eu” e adormeceram, não sei se levaram muito ou pouco tempo mas de repente foram despertos pela voz do condutor “amigos a próxima é já Olhão”, esfregaram os olhos espreguiçaram-se, a grua aproximou-se para os levantar e conduziu-os até à porta, saíram “e sa gente antes dir ter cas tuas tias fosse ò mercado” “não man vamos primeiro ter cas velhas” o ar marítimo parece ter-lhes feito bem e já com o passo certo dirigiram-se para casa das tias do bitencas “esta terra tem mais igrejas que sei  lá quê vais ver à noite” bateram à porta “quem é?” “é o António tia” “ai o meu Toninho que não o vejo há tanto tempo” “apeteceu-me fazer-lhes uma surpresa e trouxe um amigo” “entrem entrem nós íamos agora tomar o pequeno almoço  vocês comem connosco e depois vão-se deitar um bocadinho que devem estar cansados” “olhem esta é o Monteiro” “muito prazer” e o Monteiro reverentemente beijou-lhes a mão como via nos filmes, as velhotas coitadas derreteram-se todas, tomaram o  pequeno almoço café com leite e torradas, blhac, “então se faz favor acordem-nos aí ao meio dia uma hora ca gente anda quer ir dar uma volta” “vá vão mas é dormir” e eles foram, ferraram logo o galho que nem duas pedras, a aventura desse fim de continuou mas o narrador não se lembra, vou ter que falar com um deles e caso algum recorde o que se passou prometo trazer-vos aqui ao bloco de caras a continuação da saga de dois loucos de Lisboa em terras algarvias.   

Um dia na vida de alguém


Largo do Calvário 6H30 da manhã, começam os primeiros eléctricos, as primeiras pessoas, os primeiros barulhos que me acordam, movo-me lentamente o corpo está dorido, os pés frios as mãos engelhadas, apesar de Julho a noite esteve fria ou então não tive cuidado e não usei os cartões suficientes, as minhas mãos procuram o saco plástico do mini preço onde guardei o que ontem consegui como pecúlio, é um pecúlio pequeno, uma lata de atum duas carcaças e um pacote de vinho o que para começar o dia não é nada mau pelo menos pequeno almoço já tenho.

Soergo-me lentamente com cuidado que os meus setenta e dois anos já não me permitem grandes veleidades a nível físico, por vezes durmo na Gare do Oriente mas isso é sobretudo no Inverno onde o rigor do tempo me obriga a procurar lugares mais abrigados onde me veja protegido do vento e da chuva mas ali é pior, é um sitio mal frequentado com os miúdos de Unhos e Camarate que vêem dos bares da Expo já bêbados e se metem comigo parece que teem prazer em escarnecer dum velho que faz daquele espaço a sua casa, um dia um grupo deles chegou mesmo a dar-me uma valente carga de porrada sem eu perceber porquê, as pessoas passavam e não me auxiliavam eu era uma bola pontapeada e socada por aquele bando de energúmenos que não encontraram nada melhor para fazer que agredir quem já não se pode defender e os filhos da puta ainda se riam, fui salvo por dois policias que por mero acaso passaram por ali e fez com que eles fugissem, os policias até foram simpáticos ajudaram-me a levantar do chão e vendo o meu lastimável estado chamaram o 112 que me levou ao hospital e agora, vendo bem as coisas até acho que foi bom terem-me dado porrada porque passei três dias no hospital sem preocupações de ter que ir inventar comida e dormir numa cama com lençóis e tudo, pior foi quando os médicos acharam que estava bom e me disseram “sr. João hoje vamos dar-lhe alta”, ainda perguntei se podia ficar mais um dois dias mas eles disseram logo que não que precisavam da cama  e para eu ir à Santa Casa procurar ajuda mas farto disso estou eu.

Como ia dizendo levantei-me devagarinho, arrumei bem os cartões que atei com um baraço que trago sempre comigo, fiz duas sandes de atum, dei uns goles no pacote de vinho, fumei um cigarro e pus-me de pé, com algumas dificuldade é certo, que estas dores que tenho aqui nas cruzes andam a dar cabo de mim, quando estava em casa da minha filha ali na Quinta do Cabrinha nada disto me apoquentava mas desde que foi presa por ter morto o marido com 605 forte depois de ter descoberto que ele andava amancebado com a vizinha do 1º andar que a minha vida se virou toda do avesso, a assistente social da câmara não me deixou ficar com a casa porque eu não estava registado ou qualquer coisa assim e pôs-me na rua, por causa da falta de um registo qualquer põem um ser humano na rua, é como se fosse lixo.

Tive que me resignar e fazer à vida que nem reforma tenho, vivo do que me dão e do que encontro nos caixotes de lixo dos supermercados, por vezes alguém mais bondoso  oferece-me uma sopa ou uma sandes mas isto não é vida para ninguém e muito menos para um velho com 72 anos como já vos disse que tinha, vou fazer 73 se nosso senhor me der vida e saúde no dia 23 de Setembro, dantes a minha filha comprava-me sempre um bolo e bebíamos um calicezinho de vinho do Porto enquanto ela e o marido cantavam os “parabéns a você” mas agora os dias são todos iguais, nem anos nem Natal nem nada apenas dias que passam cada vez mais devagar, mas pronto a vida assim quis e é assim que vivo.

Já de pé dirijo-me para a rua Alexandre Botelho onde lá mesmo quase em cima fica o Balneário de Alcântara onde vou tomar banho e fazer a barba, tenho a impressão que nestes últimos tempos há muito mais gente a usá-lo porque dantes chegava e entrava logo, agora não, há dias em que até há bichas de pessoas à espera e não são só pessoas como eu que vivem na rua há pessoas que até estão bem vestidas e levam um saquinho com o sabonete e o shampoo, dizem-me que é da crise mas em crise vivo eu há uma data de anos mas pronto está bem se as pessoas lá vão é porque precisam e eu não tenho nada a ver com isso, chego ao Balneário mas ainda está fechado só abre às sete e meia, cá fora sentados nos vãos de escada estão já algumas pessoas à espera, são gente como eu que passa a vida à espera, o sr. Freitas já lá deve estar dentro que as luzes estão acesas e olha nem por acaso as portas abrem mesmo agora, entro com os demais e “bom dia sr. Freitas” “bom dia sr. João precisa de alguma coisa?” “por acaso hoje até me dava jeito mudar de roupa” o sr Freitas vai lá dentro e dá-me um saquinho de plástico com umas cuecas um par de meias umas calças uma camisola e um bocadinho de sabonete “veja lá se isso lhe serve” “serve serve sr. Freitas, até já” “oh sr Freitas senhor Freitas não se arranja aí uma giletezinha””tome lá mas depois guarde-a que já temos poucas” vou para o chuveiro e dispo-me, olho o meu corpo e vejo os ossos à flor da pele, que diferença faz do corpo que tinha quando era jovem e trabalhava na estiva, tinha um corpo musculado capaz de fazer inveja a qualquer Tarzan Taborda mas depois vieram as máquinas que nos substituiram e a pouco e pouco fomos sendo todos despedidos mas não adianta recordar o passado o que me interessa agora é sobreviver diariamente, tiro as roupas lavadas do saco que disponho num banquinho e dispo as que trazia que coloco no mesmo saco para depois as deixar com o senhor Freitas, a água quente do chuveiro sabe-me bem, ensaboo-me uma duas vezes tiro a espuma do corpo seco-me visto a roupa lavada e com o mesmo sabonete com que me lavei dirijo-me aos lavatórios onde passo o sabonete pela cara e faço a barba, limpo e revigorado dirijo-me para a saída onde deixo as roupas sujas com o senhor Freitas, “até amanhã senhor Freitas” “até amanhã senhor João”

Desço a Alexandre Botelho e vou até ao largo do Calvário onde espero um eléctrico para o Terreiro do Paço, o eléctrico chega eu entro mas sempre com atenção à próxima paragem não vão aparecer os fiscais, tive sorte cheguei ao Terreiro do Paço sem aparecer nenhum e aí chegado desço, desço e subo a rua Augusta até à igreja de S. Domingos onde me sento à porta com uma lata na frente onde tenho esperança que alguém vá deixando cair alguns cêntimos, entra e sai muita gente sobretudo turistas que com as máquinas fotográficas me tiram retratos e alguns até deixam algumas moedinhas, não tantas como antigamente porque agora há muita concorrência sobretudo de romenas que com crianças ao colo vão lamuriando qualquer coisa que ninguém entende, eu mantenho-me calado apenas digo “obrigado” quando cai alguma moedinha na lata.

É meio dia, recolho as moedas da lata e constato que não foi mau, 3€25, está na hora de mudar de poiso e ir até à 1º Dezembro para a porta do Pingo Doce, é uma boa hora é a de maior afluência com as pessoas a irem comprar qualquer coisa para almoçar e por vezes alguém me deixa algo que se trinque, o lugar que costumo ocupar está hoje ocupado por dois hippies com um cão, sento-me um pouco mais afastado mas suficientemente próximo para as pessoas me verem, fico ali até por volta das três, hoje deve ser o meu dia de sorte consegui dois yogurtes, um pacote de bolachas um pacote de leite e uma sandes de delicias do mar, como logo ali a sandes e os dois yogurts, as bolachas e o pacote de leite guardo ou para o meio da tarde se me der a fome ou para o jantar, já não vou para a igreja de S. Domingos, de tarde é melhor no Chiado há muitas igrejas e pode ser que tenha a sorte de encontrar alguma sem ninguém a pedir à porta, subo a rua do Carmo rua Garret e abanco logo na primeira igreja, não tem ninguém à porta e é ponto de passagem obrigatório, sento-me ponho a lata à frente e espero, de vez em quando lá ouço o barulho de uma moedinha a cair na lata “obrigado”, fico ali até por volta das oito quando o movimento se torna menor é hora de voltar para “casa”, tiro as moedas da lata e conto-as, junto com as da manhã fiz quase 10€, se todos os dias fossem assim era bom. Levanto-me subo ao Camões, desço a rua do Alecrim até ao Cais, espero que passe um eléctrico ou autocarro para o Calvário, chega um e eu entro sempre com a mesma atenção na coca dos fiscais, chego ao Calvário e são quase nove horas mas ainda é de dia, vou a uma taberna e peço uma bifana e um copo de vinho, depois remato com um bagaço, 2€ certinhos, ainda fico com quase 8€ um pacote de bolachas e um pacote de leite mesmo que o dia amanhã não corra bem não me preocupa tenho o suficiente para comer, vou até uma loja de electrodomésticos que tem uma televisão ligada e fico ali a ver até ser escuro, começa a escurecer e encaminho-me para o mesmo banco de ontem, indiferente aos poucos olhares que passam tapo-me com os cartões, ajeito-me bem no banco na espera que o sono venha depressa e ele vem, até amanhã.