Terreiro do Paço

sábado, 1 de setembro de 2012

A Ida à Missa


Hoje quando fui à missa, costumo ir ao sábado que é menos concorrido e consigo sempre arranjar lugar para me sentar ao contrário dos domingos em que a lotação está sempre esgotado como num Benfica Porto mas aqui na versão deus contra o diabo mas sem bandeirinhas coiratos ou bifanas. Há um árbitro, o padre, e alguns fiscais de linha, sacristão e acólitos.

Devo ter chegado quase no fim porque o árbitro, perdão, o padre estava com um copo de vinho na mão ergeu-o e bebeu de um trago, sinal que não era zurrapa nenhuma, depois agarrou num prato que tinha umas coisas brancas, as hóstias, e disse “aproximai-vos e comei este é o corpo de deus” óbvio que não fui, primeiro não sou canibal, olá Manuel de Oliveira, segundo, não como restos gosto de chegar a um bom restaurante tipo o “Farta Brutos” por exemplo olhar para o cardápio e mandar vir uma boa feijoada com entrecosto enchidos e tudo acompanhado por um ou mais jarros de tinto mas isto não interessa minimamente o que interessa é que fui à missa e lá me sentei muito sossegadinho a ouvir o que o padre dizia mas conclui que afinal sempre tinha chegado no fim porque o padre “ide e que o senhor vos acompanhe” as pessoas levantaram-se saíram e eu ali feito parvo à espera de um senhor, eu preferia uma senhora, que me acompanhasse mas nada até que de repente um dos árbitros veio ter comigo “não se importa de sair que temos que fechar a igreja” “eu?, eu estou à espera do senhor” “de mim” “não, daquele que seu patrão falou” “oh meu irmão, isso é uma figura de retórica significa que o senhor está sempre presente” aí comecei a ficar chateado pra já sou filho único como é que ele me podia chamar irmão depois não sei o que é retórica, a igreja é tão rica que até se dá ao luxo de utilizar palavras caras, e pior é que se o senhor está sempre presente porque é que nunca o vi em lado nenhum? “vá lá chamar o seu patrão ou o gerente ou quem você quiser que daqui não saio sem a companhia do senhor” “de mim?” “não seu parvo daquele que o seu patrão falou” “oh filho já lhe disse que era uma figura de retórica””mau mau mau lá está este outra vez com palavras caras e ainda há bocado era irmão e agora sou filho, quem é que ele julga que é?” pus-me de pé olhei-o nos olhos e “vá chamar o seu patrão já disse” “ o senhor padre não pode vir está a mudar de roupa” “não faz mal eu espero”, aquele meu tom autoritário deve ter resultado porque ele fechou a igreja e entrou por uma porta lateral que penso conduzir aos balneários, perdão vestiários.

Passado um bocado, não muito, apareceu o padre já vestido à civil com um fato cinzento camisa branca e uma cruz na lapela, como não conhecia aquele emblema perguntei “que clube é esse? Não é português pois não?” “meu filho isto não é clube nenhum significa que sou padre” “olha outro a chamar-me filho” mas desta vez deixei passar porque me lembrei do Valter Hugo Mãe e do “Filho de Mil Homens” e até se podia dar o caso, apesar da minha mãe apesar de ser uma mulher muito certinha eu ter sido alvo de alguma intervenção divina e ter sido concebido pelo meu pai  alguns anjos serafins e querubins e mais alguns elementos da santa madre igreja, apesar de no C.U., significa Cartão Único não estejam já prái com pensamentos pecaminosos, constar filho de Henrique Monteiro Cândido e Ester Gabriela de Jesus Ferreira mas pronto como disse deixei passar e disse “eu só estou à espera que o senhor me acompanhe e ele ainda não veio ter comigo” “meu filho quando disse isso queria dizer que ele está sempre connosco” apalpei-me todo nos bolsos e tudo não fosse ele ser anão e ter-se metido no bolso das calças mas nada não o encontrei em lado nenhum pensei então que ele devia ser como o homem invisível das bandas desenhadas que lia quando era puto foi então que o padre disse “mas se quiser acompanho-o à porta” “já almoçou?” “não por acaso ainda não” “quer vir ali almoçar ao coelho da rocha?”, falei no “Coelho da Rocha” porque o dono é meu amigo e quando o vou cumprimentar à hora das refeições acabo sempre por comer à pala “por acaso até calhava bem que já tenho a barriga a dar horas” disse ele numa linguagem nada eclesiástica, e lá fomos.

“Então que é feito de ti que nunca mais apareceste” olha sabes como é ando por aqui e por ali e não tem calhado” “vejo que trazes um amigo” “não é meu amigo é o padre ali da igreja que disse “que o senhor vos acompanhe” e como o senhor nunca mais vinha decidiu substitui-lo” “ah tá bem querem almoçar?” “é pá por acaso até já estou a ficar com fome” “então sentem-se ali que mando já servi-los” sentámo-nos  disse para o padre “vamos comer “coelho à coelho da rocha que é daqui” e com o polegar e indicador apertei o lóbulo da orelha “pode ser”, veio o empregado “então que é que os senhores desejam?” “são duas de coelho” “e para beber?” “pode ser Pêra Manca”, lá ficamos ali em conversa de ocasião até que chegou a comida e o sacana do padre comia bem e bebia melhor, mandámos vir mais uma de vinho e outra e outra até que nos refastelámos na cadeira e o empregado solicito se aproximou “vão desejar sobremesa?” eu como estava em presença de um religioso pedi barrigas de freira ele não sei se por gosto se por querer manter a religiosidade pediu papos de anjo.

Acabámos arrotámos, ali não fica nada bem, e saímos “ e se fossemos até à casa paroquial beber uma aguardente que trouxe lá da terra?” disse o padre “bora nessa Vanessa” se ele me tratava por filho eu também o podia chamar como quisesse, o passeio apesar de largo era estreito para nós dois e o nosso caminhar ziguezagueante mas a casa era ali bastante próximo fica mesmo ao lado da igreja.

Chegámos, ele abriu a porta “francamente senhor padre é sempre a mesma coisa quando tem companhia” “quem é esta?” “é a Gertrudes que está encarregue da casa e de outros servicinhos” disse ele piscando o olho malandro “ ah tá bem”, apareceu a Gertrudes com a garrafa dois cálices e uma travessa com queijo às fatias e bocados de pão à qual nos lançámos como cães esfaimados, e tínhamos acabado de almoçar faria se o não tivéssemos, mas a voracidade era ainda maior no que diz respeito à aguardente, era mesmo boa, “o que vale é que não tenho mais nenhuma missa hoje” “ e se fossemos às putas?” “a “Gertrudes matava-me” como é evidente fiquei todo lixado que quando bebo dá-me práli, mas como um dia não são dias fiquei ali a beber  a beber e a fazer companhia ao padre que já estava em descalço e em tronco nu e mal se percebia o que dizia, a Gertrudes por vezes assomava com a cabeça à porta “é sempre isto maldito bêbado” “oh Gertrudes não te zangues deixa lá o homem beber o seu copinho” “pois mas quem fica a perder sou eu que só sirvo para limpar a casa” “oh Gertrudes que não seja por isso que a gente pode brincar um bocadinho” “deixe-se disso que você também tá bêbado” “pois tou e depois?” amandei-me logo a ela e foi um regabofe do caraças durante não sei durante quanto tempo em que valeu tudo menos arrancar olhos.

“oh Gertrudes Gertrudes ajuda-me aqui a levantar” “é ele veste-te e vai-te embora”, assim fiz, saí com os sapatos na mão para não fazer barulho, chegado à porta, era já de noite, calcei-os cambaleei até ao jardim da Parada, apanhei um táxi.

- “é pá Calçada dos Mestres faxavor”  

 

 

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