Terreiro do Paço

sábado, 4 de outubro de 2014

Almoço

O tempo não dura todo o mesmo tempo, os momentos felizes durem o tempo que durarem não levam mais que um nano segundo enquanto os tempos que ferem, ferem, ferem, e permanecem, começo assim para dizer que se aproxima a passos muito lentos mais um almoço da eterna Geração Campolide e aqui apetece-me citar o José Luis Peixoto no “Cemitério de Pianos”, diz ele “na hora de pôr a mesa, éramos cinco: o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs e eu, depois a minha irmã mais velha casou-se, depois a minha irmã mais nova casou-se. Depois o meu pai morreu. Hoje na hora de pôr a mesa somos cinco, hoje na hora de pôr a mesa somos cinco menos a minha irmã mais velha que está na casa dela, menos a minha irmã mais nova que está na casa dela, menos o meu pai, menos a minha mãe viúva, cada um deles é um lugar vazio nesta mesa onde como sozinho, mas irão estar sempre aqui na hora de pôr a mesa seremos sempre cinco, enquanto um de nós estiver vivo seremos sempre cinco” e finda aqui a citação do Zé Luis, porque nós somos não sei quantos, alguns já partiram mas estão aqui, como o Helder e o Louro por exemplo, éramos uma cambada de putos que fazíamos as nossas asneiras mas também fazíamos coisas bonitas, e enquanto um de nós for vivo seremos sempre todos, éramos assim a modos que Humbertos Delgados que não éramos generais mas também não tínhamos medo, jogávamos futebol, matraquilhos, o Emideo era o maior, mas também fundámos um grupo de teatro que ainda perdura mas já sem o mesmo nome nem o Joaquim Benite, entrámos alguns de nós para o grupo de balet para conhecer miúdas que não nos passavam cartucho, naquele tempo as classes sociais estavam ainda mais separadas que hoje, íamos aos comícios da C.D.E., organizávamos sessões de poesia, lembro-me da do José Carlos de Vasconcelos e sobretudo da do Mário Viegas de quem alguns de nós nos tornámos amigos, uma vez o Mário eu e mais uns quantos fomos ao Teatro Monumental ver a Amália e passámos o tempo todo do 3º balcão, era o mais baratinho 15 tostões, a jogar moedas de tostão para o palco e a senhora que Deus lhe tenha a alma em descanço não tugiu nem mugiu, e nós gozávamos que nem doidos, eram tempos em que a felicidade de sermos se sobrepunha a tudo o resto, agora não sei porquê, talvez por ter estado no ultimo almoço, veio-me à memória o Paiva nos seus noventa e muitos anos, que foi nosso pai e professor, eram tempos em que apesar da salazarenta repressão éramos felizes porque apesar das brincadeiras inerentes à nossa idade também lutávamos por um Portugal melhor, não este sucedâneo de país que uma corja de delinquentes se entretem a destruir o que construímos e a fazer com que o tempo regrida, mas nós sei-o de certeza feita voltaremos a ter a idade que tínhamos quando tínhamos a idade que tinhamos e não deixaremos, não deixaremos que nos roubem futuro a nós e aos nossos filhos, nem que tenhamos que reabrir a Goa e o Monte Carlo por onde entre cervejas e cigarros combinávamos estratégias para lixar a cabeça aos gajos vestidos de escuro, que sorte que tivemos, que felizes fomos, fazia-nos bem a luta, faz-nos bem a luta, e enquanto um de nós for vivo lutaremos “lutaremos com as armas que temos na mão”, e esse um que cá estiver seremos todos que não se calam nem se rendem. P.S. – Ainda falta muito para o almoço?

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